quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Urbana Legio Omnia Vincit

São 11h07 da manhã de 11 de outubro de 2012, e eu tive uma péssima noite de sono.

Culpa do Sr. Lobão.

Explicando: antes de dormir, resolvi começar a ler a biografia do ex-membro da Blitz e Vímana, presente de aniversário de minha cunhada Viviane - mas apenas poucas páginas, para pegar o embalo nos dias seguintes. E eu fui parar logo na parte em que descubro a data de nascimento do autor de "A Vida é Doce", 11 de outubro de 1957. "Legal", eu pensei, "vou começar a lero livro no aniversário do sujeito".

Mas aí, na hora de deitar, veio o estalo. Não só é apenas o aniversário do Lobão, Renato Russo morreu há 16 anos.

Para a geração NX Zero e Fresno, falar em Renato Russo pode ser quase uma curiosidade arqueológica, mas para a minha geração é lembrar daquele que cantava na maior banda de rock do Brasil, a Legião Urbana (pelo menos, para mim; se você achar que é outra, este é um país livre).

A reboque, incontáveis lembranças que me fizeram ficar repassando toda uma vida por mais de duas horas. Porque a nossa vida é feita de uma série de coisas que, inconscientemente, são indissociáveis dela.

E a Legião Urbana é uma delas, há mais de 20 anos. Mesmo quando ainda sequer havia percebido isso.

Eu só fui efetivamente me interessar por rock no final dos anos 80, mas antes disso era impossível não conhecer Legião, Titãs, Barão Vermelho e tantos outros nomes. Eu ouvia no rádio, sabia o que era "Eduardo e Mônica", "Geração Coca-Cola" e tantas outras. Mas não era minha praia. O máximo do rock and roll que havia comigo era um LP da trilha sonora de "La Bamba", de 1987.

Mas as coisas mudam, e elas mudaram em 1989. Era a época em que "entender de computador" significava mexer com programação das maquininhas, os famosos MSXs e afins. E lá fomos eu e mais duas amigas, Elisângela e Cristiane (por onde andam?), fazer um curso de Informática no Centro do Rio. Morando em Duque de Caixas, costumávamos pegar o frescão da Carioca até o Castelo e ir a pé até o curso, que ficava em uma rua próxima à Academia Brasileira de Letras.

E foi assim que as coisas começaram a tomar novo rumo.

Os frescões tinham som ambiente, e ouvíamos as rádios Transamérica ou Cidade. Titãs, Barão Vermelho, Inimigos do Rei, Nenhum de Nós... e Legião Urbana. Em especial, "Há Tempos". Foi quando eu percebi que estava deslocado do "meu tempo", e que precisava recuperar o tempo perdido. Sem trocadilhos.

Pedi de presente, então, "As Quatro Estações", que estava para sair ou já havia sido lançado há poucas semanas. E não parei mais de ouvir. Como não poderia deixar de ser, na sequência vieram o "Um", "Dois", "Três"... Assim eram conhecidos os álbuns anteriores da Legião. A exemplo de tantos outros jovens, havia a sensação de que alguém escrevia, cantava os verdadeiros sentimentos de uma geração, desde as questões mais sérias, políticas, até todas as mazelas do amor, ainda mais quando se é adolescente.

Depois vieram os outros discos ("V", "O Descobrimento do Brasil), o inesquecível show no Jockey Club, em 7 de julho de 1990, no dia em que o Cazuza morreu, as camisas; e éramos todos tão jovens, num processo de crescimento em que coisas como "Perfeição" e "Vento no Litoral" ajudavam, sim, a nos tornar pessoas melhores.

E não era uma idolatria desmedida, era a sensação de que a Legião Urbana - e Renato Russo em particular - fazia parte de nossas vidas, como bons amigos que sempre estão presentes de alguma forma.

Até chegar o fatídico 11 de outubro de 1996.

"A Tempestade ou O Livro dos Dias" havia sido lançado há cerca de uma semana, quando fui acordado de manhã pela minha mãe ou irmã sem qualquer tipo de preparação, direto no fígado: "Júlio, o Renato Russo morreu".

Como assim, morreu? Aos 36 anos, do nada? Como? Quem disse isso? E onde estava a internet, que ainda era coisa de poucos, para explicar isso? "Deu no rádio, ele morreu essa madruga, de Aids".

Assim como qualquer ser humano, eu também tenho aquele grupo de pessoas que admiro, mas nunca havia sentido a perda de uma pessoa distante que, ao mesmo tempo, fosse tão próxima. E o Renato Russo era uma delas. Naquele instante, não havia chão onde pudesse firmar meus pés ou qualquer coisa que explicasse o sentimento de perda.

Só havia o pensamento, "Renato Russo morreu". O sujeito que era importante para toda uma geração, o grande amigo, irmão de tanta gente, que agora desamparava milhares de pessoas. Talvez milhões. Que havia escrito "Tempo Perdido", "Angra dos Reis"...

Tudo o que eu queria era uma explicação. E só havia os telejornais da hora do almoço. Mas não era suficiente, as pessoas ficam doentes, morrem, mas algumas vão embora cedo demais. E o Renato era uma delas.

Era algo tão chocante que ainda estava anestesiado. E isso só foi passar quando alguma emissora passou um videoclipe da carreira solo - "Strani Amore", eu acho. E foi nessa hora que eu desabei. Na perda, sempre existe algum momento em que não suportamos mais.

Eu e alguns amigos havíamos combinado de nos encontrar mais tarde naquela sexta-feira - Wally, Fred e mais outras pessoas -, e o sentimento de todos era o luto. Que eu me lembre, todo mundo havia chorado em algum momento, todo mundo estava consternado, todo mundo tentava entender o que acontecia.

Todo mundo havia perdido um amigo.

No dia seguinte era Dia das Crianças, e eu e Wally apresentaríamos um especial do "Satélite", nosso programa na 101,5 FM, com temas de seriados e desenhos animados. Era para ser um programa alegre, divertido como todos os outros, mas foi extremamente difícil abrir os microfones e ficar ali durante uma hora.  A noite havia sido péssima, a manhã também. Todo o final de semana, enfim.

Somente dias depois, quando tomei coragem para colocar novamente um disco da Legião para tocar, é que percebi o quanto "A Tempestade" prenunciava o que estava por vir. O fim. Estava lá, em várias músicas, mas não tivemos tempo para nos preparar e nos despedirmos de forma apropriada. Desde então, durante muitos meses, ouvir Legião trazia sempre um gosto amargo, o da lembrança de um ente querido.

Quando lançaram "Uma Outra Estação", quase um ano depois, lembro que estava numa fase muito difícil da minha vida, e ouvir "Clarice" não ajudou em nada. Ao final da música, tudo o que havia sentido quando ele morreu, somado aos meus problemas, bateram com força total. E eu desabei mais uma vez.

Desde então, nunca mais ouvi "Clarice" novamente. E acho que jamais vou ouvir.

Mas o tempo passa, as cicatrizes fecham, você conhece novos amigos, consegue novos empregos, namora, casa, separa, namora, namora e casa de novo, e a dor se transforma na saudade de um tempo em que tudo era diferente, em que tantas pessoas importantes estavam vivas. Nós crescemos, amadurecemos, passamos a ter outras responsabilidades, opiniões, as opções de música se ampliam, e ouvir Legião Urbana se torna uma coisa cada vez mais esporádica.

Mas você sempre volta lá, para relembrar o velho amigo que se foi, e sempre vai ficar com aquele nó na garganta.

Hoje, 11 de outubro de 2012, voltei a ouvir Legião Urbana depois de muitos meses. E lembrei-me de tudo o que passei em mais de 20 anos, quase 30. De como eu era uma pessoa que acreditava ter a resposta para tudo, e que hoje sabe que vai morrer sabendo cada vez menos sobre as coisas da vida. E não poderia deixar de, mais uma vez, me emocionar, como se hoje fosse 11 de outubro de 1996.

Porque, para os fãs da Legião Urbana, Renato Russo vive.

Urbana Legio Omnia Vincit.